Majoritariamente as analises atribuem à deficiência política
do governo a causa principal que motivou o golpe. Sobre este aspecto devemos
lembrar que houve algumas mudanças do staff político de Dilma tentando adequar
às novas necessidades, terminando por ter uma linha de frente de primeira
grandeza dentro da pobreza da representatividade que o mundo líquido de Bauman
nos explica, seja em qualquer área de conhecimento que for. Tivemos Jaques
Wagner e Ricardo Berzoini substituindo Miguel Rossetto e Pepe Vargas.
Mas, os golpes não podem ser explicados por razões de curto
prazo, assim nos demonstra a história. Derrubada de governos são gestados por período
de tempo superior ao próprio mandato. Para não me alongar fica a celebre frase
de Lacerda, “o corvo”; ‘Esse homem não pode ser candidato; se candidato não
pode ser eleito; se eleito não deve tomar posse; se tomar posse não deve
governar’.
Golpes na América Latina têm pai estrangeiro e mãe pátria,
segundo os próprios documentos oficiais americanos sobre os golpes das décadas
de 60/70.
Tendo pai estrangeiro e gestadora pátria e para se entender
os motivos dos golpes cito dois trechos históricos:
1 -
Carta Testamento de Vargas:
“Mais uma vez as forças e os
interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me
acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a
defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto.
Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros
internacionais, (...)
A campanha subterrânea dos grupos
internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados (...)
Quis criar a liberdade nacional na potencialização
das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de
agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem
que o povo seja independente. ”...
Incrível de tão
atual, né? Tem mais...
2 -
Do Observatório de Imprensa, em artigo de Luiz
Alberto Muniz Bandeira:
“Ontem, foi o suicídio de Vargas.
Hoje, a deposição de João Goulart. Amanhã será outra revolução made in USA
contra todo e qualquer presidente reformista”– escreveu Edmar Morel [MOREL,
Edmar. O Golpe começou em Washington. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira,1965, p. 18]. De fato, o golpe militar fora planejado, articulado e,
a partir de julho de 1963, impulsionado por Washington, quando o Pentágono começou
a elaborar vários planos de contingência, denominados Brother Sam, que
consistiam no envio da força-tarefa norte-americana, incluindo o porta-aviões
Forrestal, para o litoral do Brasil, a fim de dar apoio logístico aos
insurgentes e desembarcar marines, se o golpe de Estado provocasse uma guerra
civil.”...
Obama repete James Carville, então estrategista da campanha
presidencial de Bill Clinton, afirmando “It’s the Economy”; eles naturalmente
não estavam se referindo apenas a assuntos exclusivamente internos.
Para concluir a demonstração de que golpes são gestados
durante longo tempo e não se reporta aos lideres empossados por vitória democrática
nas urnas, e sim, e bem mais preciso, contra o que é cobrado, em determinado
momento da história de um País, pelo inconsciente coletivo de um povo. Em
outras palavras as necessidades de uma nação como entidade imaterial formada
pelo povo, que se materializa nas ações de pensadores e coletividades.
Não é fortuito, nem aleatório, que os golpes das décadas de
60/70, tiveram as mesmas motivações:
1 -
Externa.
Bloquear a formação de novas relações comerciais dos países periféricos
que pretendiam criar uma maior independência em relação ao grande irmão do
norte, e impedir o incentivo na criação e manutenção de empresas genuinamente
nacionais que pudessem competir com as mastodontes internacionais.
2 -
Interna. A melhoria das condições de vida da
população fornecedora de mão de obra através de uma melhor redistribuição de
riquezas. Resumindo, democratizar a vida do País.
Por isso, os golpes no continente ocorrem em sequência,
atingindo em determinado período de
tempo quase todos os países onde as elites não conseguiram retomar o poder
pelas vias democráticas - através das urnas. Derrubam - se todos aqueles que
não se submeteram às pressões externa para deixar de amparar as empresas nacionais,
os que questionam à cartilha americana e os insubmissos aos interesses dos coronéis.
Dá para entender os motivos pelos quais continuamos fornecedores de commodities,
dependentes da gangorra econômica externa; com a estrutura intacta de coronelato,
na economia, no legislativo e no judiciário; um continente formado por países entre
os de população mais pobre, e detentores do recorde de maior desequilíbrio social
e pior distribuição de renda. Daí o título emprestado (coincidência?) de Honduras;
“republiqueta de bananas”, por ser politicamente
instável, submisso a um país rico e frequentemente com políticos corrompidos e sociedades
opressoras. A economia é em grande parte dependente da exportação de produtos
in natura. Países de classes sociais estratificadas, incluindo uma grande e
empobrecida massa de trabalhadores e uma plutocracia que compreende as elites
de negócios, política, militares e do judiciário.
Esse rápido histórico serve para demonstrar que a queda de
Dilma não se deve às condições de inapetência politica de um governo, tanto que
está ocorrendo dentro de uma avalanche orquestrada, com a mesma metodologia e
organização, que já deixou a sua marca em Honduras, no Paraguai e agora no Brasil,
e que pelos mesmos métodos de desgaste e retaliação faria o governo indicado
por Cristina Kirchner cair por golpe, se não tivesse perdido nas urnas. Parece
ser algo que se torna cíclico, e de acordo com os avanços da inclusão social e
na necessidade corporativa americana de maior espoliação das riquezas dos seus periféricos.
A nova formatação dos golpes tenta iludir a população com
aspectos falseados de normalidade jurídica. Desta vez, o “meme” enganador é o mesmo, a corrupção, com as diferenças de,
lá atrás, comunismo; hoje, petismo. Mas,
como não há mais guerra fria para justificar tanques nas ruas, recorrem àqueles
que são reconhecidamente provedores e garantidores dos privilégios da elite, o
Poder Judiciário. Qualquer estudo irá posicionar indelevelmente a participação ativa
do Judiciário no amparo dos interesses das elites em qualquer período da história.
Ao mesmo tempo que policiais e delegados
lembram mais jagunços protetores e paus mandados de seletivo segmento, outrora
capitães do mato e capatazes, do que forças de normalização democrática. Poder
legislativo, sempre ao reboque de quem dá mais. Todos temerosos e submissos à mídia
oligárquica, partidária e ficcionista e, paradoxalmente, sedentos por holofotes.
Sociedades com o rótulo de “casa grande e senzala”.
Mais ainda há algo semelhante, mas desigual - as forças
repressoras e as de resistência.
Os grupos de resistência nas décadas de 60/70 eram formados
mais pelo aspecto ideológico e os de repressão pelas Forças Armadas, melhores
preparadas. Nestes golpes atuais os usurpadores não mais contarão com as FFAA e
a resistência não se dará apenas pela questão ideológica. A noção pragmática de
inclusão já domina as consciências de toda a população, o que fará com que as
reações sejam mais duras de ambos os lados.
O registro de golpe e as dificuldades da sua manutenção.
Se a noção da legalidade em 64 foi desmascarada após a
derrubada de Jango, neste golpe atual a ideia da ilegalidade já é reverberada
pela mídia internacional, pela ONU/OEA, por inúmeros pensadores e formadores de
opinião e por lideranças internacionais. Há grande resistência em todas as camadas da
sociedade.
Se os governos militares não conseguiram manter a coesão
mesmo se aliando a lideres fortes como ACM, Maluf, Sarney, Collor, personas que
já não existem, pela própria fragmentação do mundo liquido profundamente
esboçado por Bauman, mesmo fazendo “um outro golpe dentro do golpe” para
auferir mais dureza e controle, mesmo expulsando ou forçando a saída de vários oposicionistas,
prendendo e metralhando tantos outros, fechando o congresso, amordaçando e
caçando juízes dissidentes, e, ainda assim a “pax “(paz imposta pela força aos
derrotados)não aconteceu, quanto mais agora com todas as fragilidades apontadas
nos parágrafos acima, e com um presidente, Temer, político de fraca estrutura
moral, debilidades política, criticado internacionalmente e com desconfianças
de cada um dos aderentes à derrubada do governo Dilma pela pecha de traidor que
lhe ficou grudada e marca do seu caráter usurpador.
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