O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria
através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a
condenar o amor-próprio; mas aquilo que pretendemos realmente condenar é
o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e aversão por nós
próprios que permanentemente nos persegue, que nos impede de amar os
outros e que nos proíbe de nos perdermos no amor com que somos
eternamente amados. Aquele que é capaz de se amar a si próprio é capaz
de amar os outros; aquele que aprendeu a superar o desprezo por si
próprio superou o seu desprezo pelos outros.
Mas a profundidade da nossa separação reside, justamente, no facto de
não sermos capazes de um grande amor, clemente e divino, por nós
próprios. Pelo contrário, existe em cada um de nós um instinto de
autodestruição, tão forte como o nosso instinto de autopreservação. Na
nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma
tendência, visível ou oculta, para nos maltratarmos e nos destruirmos.
A crueldade para com os outros é sempre também crueldade para com nós
próprios. Deste modo, o estado de toda a nossa vida é o distanciamento
dos outros e de nós próprios, porque estamos distanciados da Razão do
nosso ser, porque estamos distanciados da origem e do objetivo da nossa
vida. E não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. Estamos
separados do mistério, da profundidade e da grandeza da nossa
existência. Ouvimos a voz dessa profundidade, mas os nossos ouvidos
estão fechados. Sentimos que algo radical, total e incondicional nos é
exigido; mas rebelamo-nos contra isso, tentamos fugir à sua urgência e
não aceitamos a sua promessa.
Paul Tillich, in 'És Aceite'
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