"Teríamos que retomar o debate da civilização, que foi substituído
pelo debate do crescimento econômico: se vamos aumentar os juros, se
vamos facilitar um pouco de inflação. Mas a civilização, ela própria,
não é objeto de discussão. E isso abre espaço para uma série de
barbáries."
Sobre a globalização
“É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar
à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única
opção verdadeira:
Há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o
segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o
terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.
A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em
que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do
Estado e a aldeia global.
O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos
países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas
que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa
permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá
uma nova ideologia mais humana.”
A imprensa como instrumento de propaganda a serviço de grupos específicos
“A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação
global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte
do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada
no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo
pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos
territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado,
por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.
Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.
Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a
competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência
sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer
normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de
nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são
apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado
puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da
perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para
conquistar melhores espaços no mercado.”
A gestão do “novo”
“... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo
quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam
a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É
exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar
despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta
de épocas. Essa idéia de movimento e mudança é inerente à evolução da
humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e
morrem...”
“... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições
atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no
homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas
ocorrerá no fim do processo, durante o qual o reajustamentos sucessivos
se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo
dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro
sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram
simbiose...”
Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir
de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos
diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes
ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá
explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis
de conter.
O Estado
O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro
setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que
precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de
todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro
setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não
podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável,
porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais
fortes que no passado.
Democracia vazia
A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se
falando em uma democracia sem saber muito bem do que se está falando.
Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que
tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente.
Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O
resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu
força.
Responsabilidade da educação
"A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do
mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de
sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo
de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um
humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética
das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser
constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta
às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente
de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu
tempo histórico."
O tecnicismo engessador
"Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios
técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da
realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é
assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno,
empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica,
estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos
caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de
‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas
relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a
frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra
canais de expressão."
Sobre a violência atual
“O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A
globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as
circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que
empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição
estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado.
Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino
secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se
criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.”
Muito interessante. Só senti falta das indicações bibliográficas. Queria saber de que livro saiu cada citação.
ResponderExcluirAnônimo.
ResponderExcluirNos diversos livros do professor Milton Santos, especialmente em "Por Uma Outra Globalização"
Dê uma olhada no vídeo abaixo que é muito bom.
https://www.youtube.com/watch?v=0nom9LyCH3g
Obrigado. Pergunto justamente porque enviei o link para uma pessoa que reconheceu que havia trechos de "Por uma outra globalização" mas queria saber de onde são as outras citações.
ResponderExcluirObrigado, Fiódor
ResponderExcluirhttps://vimeo.com/11875791
ResponderExcluirhttps://vimeo.com/11875791
ResponderExcluirValeu, Pedro
ResponderExcluirValeu, Pedro
ResponderExcluir