sexta-feira, 26 de julho de 2013

Como o conceito de gestão privatizou o país e enfraqueceu as nossas empresas

Há dois anos venho desenvolvendo no blog Brasilianas.org um estudo sobre o uso da retórica, principalmente a partir dos governos neoliberais de Reagan e Thatcher, como forma de solidificar o pensamento único em favor da política de transferência para o setor privado de funções e serviços essencialmente públicos.
 
É bom frisar que linguagem, conceitos e eufemismos são armas importantes utilizadas por jornalistas e economistas em defesa de um sistema, formando o chamado “mainstream”, para maximizar a riqueza e a eficiência do neoliberalismo. Na medida em que críticos progressistas e de esquerda adotam estes eufemismos e seu quadro de referência, as críticas que propõem alternativas ficam limitadas pela retórica do sistema.
 
Com base nas últimas informações sobre a ligação umbilical da empresa de consultoria Booz-Allen & Hamilton com os governos de FHC, aproveito para dar continuidade aos posts:
 
 
É fato que a Booz-Allen & Hamilton e algumas empresas similares de igual magnitude, quase todas americanas, são antigas. Mas, é a partir da década de 80 que essas empresas ganham musculatura e ajuda do governo dos EUA para aumentar as suas penetrações e influências internacionais.
 
É exatamente o conceito gestão, tão propalado por FHC e seu partido, e aceito por quase todos os segmentos, que aproxima governos e gestores privados denominados “empresas globais de consultoria” no mesmo momento em que os meios de comunicação massificam a informação de governos “leviatãs” e difundem a ideia de inoperância e ineficiência da “maquina pública”, e a partir daí começam as transferências para o setor privado de vários serviços de caráter público.
 
Em nome da gestão grandes organizações entram no país e passam a desenhar as políticas territoriais internas valendo-se de modelos difundidos mundialmente por esses novos atores sociais, vinculados ao ideário da ordem global, principalmente as empresas de consultoria e marketing. São elas que passam a indicar a necessidade de transformação, principalmente na área estratégica, com promessas de adequação à globalização.
 
São elas as grandes propagadoras do modelo de gestão, que resultam em uma visão empresarial no uso do território, o que nos faz questionar se esse preceito adotado vai ao encontro de um pacto territorial mais justo, visto que visa atender necessidades de lucro imediato, que nem sempre coincidem com os anseios da nação. Trata-se da sobreposição da política das empresas sobre a política do Estado.
 
Em nome da gestão se estabeleceu uma nova “abertura dos portos” da economia nacional, que além de transferir empresas públicas para o setor privado, criaram dificuldades para que empresas brasileiras tivessem condições de assumir os seus controles. O governo FHC abriu mão de uma política nacional que amparasse as nossas empresas nacionais e deixou que o “livre mercado” favorecesse o poder econômico de um seleto grupo de empresas internacionais que ao entrarem no país passam a interferir nas relações comerciais e políticas.
 
Com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), adotando recomendações do Consenso de Washington e do FMI, deixou claro seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. Não será de fácil esquecimento para o país a tônica do debate político articulada e arrastada segundo a ótica do mercado e da competitividade em detrimento da construção de um pacto social abrangente para conduzir o desenvolvimento ou o futuro do território nacional.
 
A gestão empresarial do Estado brasileiro como modelo de conduta é uma condição imposta pela globalização que determina quais empresas de consultoria, - fieis representantes das aspirações do mercado -, podem dar legitimidade à “implantação seletiva da modernização”, são elas que conferem racionalidade técnica e credibilidade no âmbito dos mercados internacionais para que programas de privatizações se transformem em grandes oportunidades de negócios para redes globais e garantia de investimentos estrangeiros.
 
Assim, na década de 1990 aprofundou-se a internacionalização da economia e do território nacional com as privatizações, aquisições e fusões estrategicamente auxiliadas por empresas globais de consultoria, enfraquecendo o meio empresarial brasileiro.
 
As empresas globais de consultoria, suas relações com a espionagem e favorecimento às empresas estrangeiras.
 
As empresas de consultoria transnacionais adquirem uma imensa forca, pois aparecem como agentes indispensáveis para a sistematização de informações sobre as virtualidades dos lugares e as condições para o investimento do capital estrangeiro.
 
O planejamento e informações não podem ser ocultados, sobretudo quando firmas consultoras globais, de intimidade notória com grandes empresas estrangeiras, são chamadas a aconselhar os organismos estatais de planificação na busca de atrair altos investimentos.
 
Emblemática a relação da ex-embaixadora dos EUA, Donna Hrinak, no Brasil (2000/2004) com a empresa de espionagem Kroll , depois de ter assumido quando deixou a embaixada um alto cargo executivo na Steel Hector & Davis. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0106200610.htm
 
Emblemática a relação da empresa Booz-Allen que além de auxiliar as privatizações de FHC e favorecer empresas transnacionais, coordenava o trabalho de grampos da CIA, segundo a “Carta Maior”:
 
(...)
 
O livro "Spies for Hire: The Secret World of Intelligence Outsourcing" ("Espiões de aluguel: o mundo secreto da terceirização do serviço de inteligência", New York: Simon and Schuster, 2009), de Tim Shorrock, Dick Hill, dedica um capítulo inteiro à Booz-Allen. Dá detalhes de como a empresa engendrou seu trabalho de consultoria nas teias da comunidade de informação dos EUA.
 
O livro relata que, em 1998, uma funcionária de carreira do serviço secreto, ao assumir uma diretoria da CIA, já considerava a Booz-Allen uma verdadeira extensão da comunidade de inteligência norte-americana.

(...)

Metade-metade

Ainda segundo o livro de Shorrock e Hill, pelo menos 50% dos negócios da Booz-Allen são financiados pelo governo dos EUA.
 
Os outros 50% são contratos de consultoria com grandes empresas do setor privado, nas áreas de energia ao setor químico, passando por bens de consumo.

(...)

Unindo o útil ao agradável

No portfólio da Booz-Allen, estão algumas das áreas em que a empresa atuou e que, a partir de agora, dadas as acusações de espionagem ampla, geral e irrestrita, estão sob suspeita. Veja:
 
As "reformas governamentais" dos anos 1990 aparecem em destaque.
 
A empresa ainda orientou a reforma do sistema eleitoral do México e a privatização de empresas em diferentes áreas de atuação e países: bancos, no Brasil e no México; energia (além do Brasil, Argentina, Peru e Bolívia), ferrovias (na Argentina), petroquímica (Brasil), portos (México e Venezuela), siderurgia (Argentina e Brasil) e telecomunicações (Brasil, México e Uruguai).
 
Esses setores, como a maioria se lembra, não foram considerados mais como polos estratégicos para o desenvolvimento e o Estado nacional – termo em desuso no ciclo tucano, tratado com derrisão pelos seus teóricos e operadores.
 
Algo semelhante ocorreria nas demais presidências neoliberais que infestaram os governos latino-americanos.
 
Estratégicos, porém, eles se tornariam para os interesses norte-americanos, conforme as recomendações de seu braço de informação e dublê de consultoria.
 
Para os EUA, foi uma ação orquestrada de inteligência. Para a América Latina, foi um exemplo da imensa estupidez da sapiência neoliberal que deixou cicatrizes profundas e, como se vê agora, abriu flancos estratégicos no aparato público das nações.

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